Bretão

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Breves contos e causos de caçadas

Na tradição oral gauchesca, após o jantar, se organizavam os “causos” nos galpões, onde reunidos em volta do fogo de chão, a chaleira de água esquenta para o chimarrão acolhedor. Formada a roda, o contador de histórias, geralmente um visitante, narra ao reduzido auditório, um causo (um conto) considerado interessante. Todavia, a sua narrativa está sujeita as certas circunstâncias que impõem a história, sua brevidade: a limitação da memória do contador, o pouco tempo que dispõe e a simplicidade da roda. Como aqui o assunto é caça e caçadas, vou abrir espaço para contos e causos que em muitos casos, é como se diz “uma lenda verídica”.


Segue o início...

Eram três amigos com a antiga profissão em comum, além do gosto pela caça. Ex-militares, traziam a disciplina da caserna no seu dia-a-dia e até que não se viam muito durante o ano, a não ser quando se aproximava a temporada das perdizes. Aí sim, as reuniões se sucediam para organizar as incursões à fronteira e várias viagens empreendiam junto. O mais fominha era o italiano do grupo, proprietário da Kombi que invariavelmente os levava. Havia o “esquentado”, sempre acompanhado de seu fiel 38 à cintura e o missioneiro do semblante sério.

Viveram várias aventuras nos idos dos anos 60 e 70 e muitas perdizes e pombas saboreamos das generosas cotas daquela época. Vou contar algumas histórias por eles vividas e assim homenageá-los com o registro de suas memórias. A primeira delas que contarei é a história épica do padre caçador.

Antigamente era comum os caçadores viajarem aos campos da fronteira e sem lugar certo para caçar, baterem à porta das fazendas e solicitarem permissão aos proprietários e capatazes para caçar. A maioria das vezes eram bem recebidos e acolhidos, pois era uma maneira de os fazendeiros terem um pouco de convívio social. O Rio Grande do Sul sempre foi hospitaleiro e acolhedor, mas eram outros tempos. Porém alguns fazendeiros não permitiam a caça em suas terras, quer seja por desconfiança em receber estranhos ou porque já haviam cedido o campo a outros caçadores, como se fosse uma reserva.

De uma feita, o italiano e o missioneiro chegaram a uma fazenda nos campos de São Gabriel e desce da Kombi somente o italiano para solicitar caçada nos campos:

- Bom dia senhor!

- Bom dia!

- Desculpe chegar assim de repente mesmo o senhor não me conhecendo, mas venho da região da serra e gostaria de saber se o senhor permite que se cacem algumas perdizes em sua fazenda.

- O amigo vai me desculpar, mas todos os anos alguns caçadores também da serra tem vindo aqui caçar e como já criamos um vínculo, normalmente somente a eles é que dou permissão de caça.

-Não há problema senhor, ainda é cedo e podemos seguir viagem solicitando autorização para caçar a outros fazendeiros da região. Só vou a visar o compadre que ficou na Kombi e já vamos embora.

O fazendeiro, que depois souberam que não ouvia bem, ao ouvir a palavra compadre, confundiu com “padre” e falou o seguinte:

- Ah, o senhor está com um padre aí? Mas aí a coisa muda de figura! Pode chegar e chamar o padre que vou buscar minha esposa para recebê-los.

O italiano ficou meio sem jeito de desfazer o engano e enquanto o fazendeiro corria até em casa ele foi até a Kombi e relatou o fato ao missioneiro. O missioneiro, que trajava uma espécie de balandrau preto, fechou o botão da gola da camisa branca e disse:

- Deixa comigo que eu falarei com o fazendeiro.

Em seguida já vinham recebê-los o fazendeiro, sua esposa e dois filhos pequenos, todos fazendo questão de cumprimentar o “padre” que ali os visitava. Foram muito bem recebidos, o padre inclusive tendo direito a dormir em um quarto previamente preparado na sede da fazenda. Caçaram pela manhã e após frugal almoço no galpão junto da peonada, onde o padre abençoou a todos, descansaram um pouco e seguiram caçando à tarde. Campos maravilhosos povoados de perdizes, rapidamente abateram a cota da caçada sendo também premiados com alguns perdigões.

À noite, foram convidados a um jantar na sede da fazenda onde a esposa do fazendeiro havia se esmerado na refeição em homenagem à visita ilustre de um padre, fazendo questão de mostrar sua coleção de imagens sacras e quadros de santos. Antes da refeição, o padre fez uma breve oração e em seguida se puseram a experimentar o cardápio especial. Após “comer como um padre” e seu amigo idem, o padre ainda teve tempo de abençoar a família antes de dormir em alvos lençóis e grossos cobertores para espantar o frio do inverno gaúcho.

No dia seguinte despediram-se de todos, não sem antes um belo café da manhã e renovadas bênçãos à família do fazendeiro, tendo partido com a certeza de que se quisessem ali caçar novamente nem era necessário avisar... era só chegarem!

Muitos anos depois, a farsa veio à tona, mas essa já é uma nova história.

Um comentário:

  1. Huauauaua!!! Rachei o bico de rir do padre! Conte mais!!!!!huauauauaua!!!

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